“Imagine uma situação de saúde de uma pessoa. Se o médico faz o diagnóstico errado e dá o remédio errado, o que vai acontecer com aquele paciente, ainda mais em situação grave, é que o paciente não vai se recuperar e poderá ficar cada vez mais doente. Isso é o que tende acontecer com a utilização da PEC para resolver o problema fiscal.”
Essa foi a avaliação feita pela professora de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Esther Duek, que participou do debate sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que congela os gastos públicos por 20 anos promovido pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, nesta quinta-feira (3), reunindo especialistas e parlamentares.
O Ministério da Fazenda do governo ilegítimo de Michel Temer, autor da proposta em tramitação no Senado, pela terceira vez, não atendeu o convite para o debate.
Os efeitos nocivos para as finanças públicas e as consequências danosas para as políticas sociais do País da PEC foram destacados pelos convidados que analisaram, em detalhes, todo o conteúdo da PEC 241, já aprovada na Câmara, e que está em análise no Senado sob o número 55.
“Os principais argumentos que o Governo tem utilizado para defender a PEC não são completamente corretos e, em alguns casos, não estão nem corretos. Alguns são meias verdades, e outros, são argumentos falaciosos”, explicou a professora Esther, enfatizando que “toda a PEC está baseada no diagnóstico errado da situação fiscal. E, quando se parte de um diagnóstico errado, e isso serve para qualquer situação, necessariamente se fará um tratamento errado.”
Ela destacou dois efeitos importantíssimos da PEC na economia brasileira: o primeiro será o impacto sobre a capacidade da política fiscal fazer distribuição de renda, no sentido de piorar a distribuição de renda no Brasil; o segundo será o impacto sobre o crescimento econômico, no sentido de piorar a capacidade da política fiscal melhorar o crescimento econômico.
A professora avalia que a PEC se concentra no corte de gastos e não trata de três pontos importantes: arrecadação, pagamento de juros e retomada do crescimento. “A única coisa que é alvo da PEC são as despesas primárias, que, no Brasil, são justamente o principal elemento de distribuição de renda que tivemos nos últimos tempos.”
“Sem retomada de crescimento, a gente não vai resolver a situação fiscal. E cortando gastos não é a melhor forma de resolver o nosso crescimento econômico, por que é o setor público que é capaz de retomar o crescimento”, explicou Esther Duek.
“O que a gente observa é que há uma correlação quase direta. Quando o setor público e a Petrobras, no caso, que é a maior empresa estatal – 90% dos investimentos das estatais são da Petrobras –, crescem seus investimentos, o investimento na economia brasileira cresce; quando eles reduzem, o investimento na economia brasileira reduz. Sem essa capacidade de investimento do setor público, dificilmente a gente vai recuperar o investimento e dificilmente a gente vai recuperar o crescimento”, afirmou.
Terrorismo fiscal
Os demais convidados seguiram o raciocínio da professora. Foi o caso do economista Júlio Miragaya, que apresentou a posição do Conselho Federal de Economia aprovada em suas recentes plenárias, em que afirma que o Brasil precisa retomar, o quanto antes, o crescimento econômico.
Os economistas, de diversas matizes ideológicas que compõem a entidade, avaliam que “todos estão cientes das consequências sociais que a recessão econômica tem provocado nas pessoas, particularmente o elevado índice de desemprego. Mas esse crescimento não pode se dar a qualquer preço. Ele tem que preservar a inclusão social e avançar na distribuição social e espacial da renda.”
E que “o Governo Temer, a burguesia e a grande mídia fazem um verdadeiro terrorismo fiscal” para garantir a aprovação da PEC que joga todo o ônus do desequilíbrio fiscal para as pessoas mais pobres.
As notas do Conselho avaliam que “o congelamento em valores reais das despesas sociais é inaceitável, visto que o atual volume de recursos para essas áreas já é insuficiente para ofertar à população serviços de melhor qualidade e que atenda de forma plena a demanda.”
Em seguida, o economista destacou que o Brasil paga a taxa básica de juros mais alta do mundo. “Ganham demais e pagam impostos de menos os que têm recursos para mantê-los em títulos públicos, com os níveis de taxa de juros recebidos, ou em ações e quotas de empresas, com seus dividendos recebidos isentos de imposto de renda.”
E lembrou a fala do senador aliado de Temer, Romero Jucá (PMDB-RR), que disse para o Brasil inteiro ouvir: “É preciso termos um governo não eleito, para que esse governo adote as medidas impopulares.” São medidas que nenhum governo eleito pelo voto teria condições de fazer.
Peça de ficção
A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB – AM-foto), que apoiou a realização da audiência pública, criticou a medida do governo por 20 anos, lembrando que se daqui a cinco anos, o Brasil sair desse ciclo negativo, todos os programas sociais terão sido extintos, quando se poderia melhorar o Bolsa Família; o Minha Casa, Minha Vida; ter mais universidades, mais vagas no Ciência sem Fronteira, mas não vai poder porque a Constituição proíbe.
“Então, eu lamento”, disse a parlamentar, acrescentando que “eu acho que a ausência do Governo hoje grita. E nós precisamos mostrar isso à sociedade, porque quem não deve não teme. Se a PEC é tão boa como eles dizem que é, venham para a Mesa, venham enfrentar”, afirmou, criticando a ausência do Ministério da Fazenda que foi convidado para o debate, mas não mandou representante.
O senador Roberto Requião (PMDB-PR) também criticou a proposta de política fiscal do governo ilegítimo de Michel Temer. “O Ministro Meirelles mandou ao Congresso uma peça de ficção: 26 páginas artisticamente encadernadas com um longo anexo de perguntas e respostas, a fim de explicar a PEC do Fim do Mundo. Qualquer pessoa que tenha o mínimo de bom senso pode se dispensar de ler o papelório e se concentrar exclusivamente na página 21, sob o título ‘Como o reequilíbrio das contas ajudará a retomada do crescimento econômico’”.
“Em síntese, trata-se de dar o passo final na construção do Estado mínimo, conforme a pressão constante sobre a economia brasileira exercida pelos formuladores do famoso e já conhecido consenso de Washington. É o fim do Estado social! É a precarização do Estado, com a prevalência absoluta de um Banco Central controlado pelo mercado, pelos banqueiros e pelos rentistas!” explica o parlamentar.
Resistência
Também os representantes dos movimentos sociais que participaram da audiência, falaram, para anunciar que a movimentação das ruas contra a PEC vai continuar. Iago Campos, da União Nacional dos Estudantes (UNE), destacou a ocupação das escolas e universidades públicas. São mais de 150 universidades e 1.174 escolas já ocupadas em todo o País.
“Este é um momento rico de participação social. E os estudantes têm consciência do que tem sido debatido, porque não vamos ficar só nas ocupações. Estamos vindo aqui ao Senado e viremos mais vezes para debater e para fazer pressão também. E, sobretudo, dizer que esse discurso que tem sido feito em defesa da PEC é um discurso falacioso. E nós iremos desmontá-lo”, disse Iago.
João Paulo, da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), anunciou que as centrais sindicais também estão mobilizadas em todos os Estados e pressionando os senadores “que estão fazendo um desserviço à sociedade.”
Fonte: Vermelho
Publicado em 04/11/2016