O governo interino enviou ao Congresso proposta que limita por vinte anos as despesas primárias da União em termos reais aos valores de 2016 com o objetivo declarado de reverter a médio e longo prazo o desequilíbrio fiscal do Governo Federal. A PEC 241 pode inviabilizar as políticas públicas, em particular no caso da Saúde, pode representar se aprovada o fim do SUS.
Por Emilio Chernavsky e Rafael Dubeux*
A depender de seu desenho, a introdução de um limite ao aumento dos gastos pode de fato contribuir para uma melhor administração das finanças públicas, ao elevar a previsibilidade da política fiscal e evitar o aumento excessivo de gastos em momentos favoráveis que acentua o ciclo econômico.
Para isso, nos países em que existe, o limite para os gastos geralmente é definido de modo a compatibilizar sua evolução com a do crescimento do PIB ou, diretamente, da receita que deve custeá-los, ou da dívida pública que se pretende reduzir ou estabilizar. Quando definidos em termos reais, por outro lado, os limites se aplicam tipicamente a um período curto, que frequentemente equivale ao da legislatura, o que permite adaptar a política fiscal a choques adversos e a mudanças nas preferências da sociedade de forma clara e transparente.
Ao se afastar das práticas internacionais e adotar uma regra singularmente severa e inflexível dos gastos primários por um período especialmente longo, a proposta revela um outro objetivo, central, embora disfarçado: redesenhar o Estado para que a parcela do gasto público na renda nacional seja cada vez menor e, com isso, também cada vez menor sua capacidade de atuar reparando injustiças históricas e promovendo uma sociedade menos desigual. Com efeito, ao congelar as despesas reais nos valores atuais, ela concentra todo o aumento da renda resultado do crescimento da economia nos próximos anos em mãos privadas e impede que parte dele possa custear transferências para estratos mais vulneráveis da sociedade e fornecer mais e melhores serviços públicos para uma população que cresce em número e em demandas.
Se essa redução pretendida pela proposta na capacidade de atuação do Estado já estivesse em vigor desde 2003, os recursos hoje disponíveis para o gasto público seriam cerca de um terço menores do que são, impactando diretamente serviços públicos como os de saúde e de educação. Ao projetar à frente, se a proposta for aprovada e o Brasil crescer nos próximos vinte anos à taxa média dos anos 1980 e 1990 o gasto público, hoje em torno de 40% do PIB segundo dados do FMI, o que o situa próximo à média dos países desenvolvidos, cairia a 26%, como na Zâmbia. Se o crescimento igualar o dos anos 2000, chegaria a 19%, como no Nepal.
A proposta do governo interino traça um caminho contrário ao perseguido pela maioria dos países emergentes, que, em paralelo à elevação da renda per capita, têm aumentado – não diminuído – a participação dos gastos públicos no PIB. Ela inviabiliza o Estado de bem-estar inscrito em nossa Constituição e adotado pela ampla maioria dos países desenvolvidos. Em seu lugar, resgata um modelo de sociedade em que o Estado pouco gasta e pouco faz, o Estado mínimo vigente na maioria dos países onde a população permanece na pobreza. Para quem não utiliza quotidianamente serviços públicos, esse Estado pode parecer ideal. Para a ampla maioria da população que deles depende para educar seus filhos e cuidar de sua saúde e para quem almeja uma sociedade mais justa, a proposta constitui um imenso retrocesso.
*Emilio Chernavsky é doutor em economia pela USP; Rafael Dubeux é doutor em relações internacionais pela UnB
Publicado em 05/07/2016